Aió! Mas isto é português? – Nosso Idioma
Nunca se discutiu tanto o uso da língua portuguesa nos meios de comunicação como atualmente. Já dizia o Chacrinha nos anos 70: “quem não se comunica, se trumbica”. Muito tempo passou desde então, vimos crescer a necessidade de se comunicar rapidamente. Esta rapidez tem compactado as palavras, transformando a mensagem em verdadeiros enigmas medusianos.
O internetês já foi discutido, combatido, criticado pelos educadores, mas ele convive lado a lado com os textos de circulação social. Algumas vezes nos deparamos com coisas bastante criativas como 63 TBM VOU FICAR COM SDS MAS N FALO PTRA TD MUNDO. Todavia, as surpresas da língua também se apresentam no oral. Um dia pedi ao meu marido para pegar um produto no armário, ele não achava e perguntou onde está? Respondi sem hesitar: “Aió”. Muito cínico ele disse: “ Por acaso é aula de vogais?”. De fato queira dizer : “Está aí, olhe!” Mas na pressa, reduziu tudo a este jogo de vogais. Meses depois, a Rede Globo de Televisão apresentou a série “Ó, Pai Ó”. E a explicação dada sobre o título foi a mesma, “ó” como sendo a redução de olhe.
Estas ocorrências são mais comuns do que imaginamos. Um vasto campo de descobertas de uso da língua bastante inusitado ocorre, por exemplo, nas feiras livres, algo não tão comum para os que vivem nos Estados Unidos, mas um tipo de comércio que ainda sobrevive apesar da concorrência dos supermercados e mercadões. Ouvi um feirante gritar: “Aqui na nossa barraca não tem internet, mas tem email. Tomate a um e meio.” Não pude deixar de rir com o jogo de sons. De fato, houve a sonoridade da palavra email transposta foneticamente para o preço representado pelos números um e meio. Para quem está fazendo compra na feira, a mensagem é bastante compreensiva: o quilo do tomate custa um real e cinquenta centavos. Chego a levantar profundas dúvidas se uma pessoa estrangeira teria a mesma compreensão.
A criatividade do uso da língua com liberdade permite uma plasticidade da substância, aparentemente, enquanto falantes da língua deixamos e, creio que até gostamos destas novidades, é o caso, por exemplo, do filme cearense “Cine Holliúdy”, do diretor Halder Gomes que, ao ser entrevistado, afirmava ser a novidade do filme o fato de ser legendado em português. O jornalista atônico perguntou: “como legendado em português?”. E o diretor explicou que o filme era falado em cearalês, o dialeto do Ceará. E sendo assim era melhor legendá-lo para ser distribuído em todo o Brasil. O jornalista pediu um exemplo de um vocábulo, o diretor continuou “Aqui, quando vemos uma mulher bonita, nós dizemos que ela é espricute”. Mesmo antes do jornalista intervir ele, logo, explicou é uma adaptação da expressão da língua inglesa pretty cute.
Devemos considerar que vivemos em um país de dimensão continental, então estas criações de cor local podem, de fato, surpreender aqueles que vivem em regiões diferentes. Enfim a velha receita ainda dá resultados: precisamos ouvir com mais atenção, ler melhor e, na dúvida, consultar o dicionário.
*Elisabete Montero – Mestre em Literatura, ex- professora de língua portuguesa da Universidade Católica de Santos, atualmente estudante de Pós na Unifei.