Pôr ou colocar – Nosso Idioma
Uma reflexão semântica sobre o ensino-aprendizagem do português como língua estrangeira
Muita gente, pelo menos quando escreve, parece ter banido do vocabulário o verbo “pôr”, substituindo-o pelo sinônimo “colocar”, aparentemente mais formal ou, quem sabe, “elegante”. É por isso que já terá o leitor topado com construções como “colocar um projeto em prática, colocar as contas em dias, colocar um tema em discussão, colocar uma pessoa em contato com a outra” e similares.
Convém lembrar que o verbo “colocar” vem do latim (cum + locare), o que lhe dá o sentido original de “pôr alguma coisa em seu lugar”, enquanto o verbo “pôr” funciona não apenas como verbo pleno, quando seu sentido se emparelha com o de “colocar” mas também como verbo-suporte, situação em que constitui com substantivo seguinte um todo semântico. Assim, pode-se dizer que é um elemento constituinte de algumas expressões: “ pôr em destaque (destacar), pôr em ação (acionar), pôr em prática, pôr em pauta, pôr em votação, pôr em dia, pôr à prova” e muitas outras.
A franca preferência pelo verbo “colocar”, sobretudo nos textos da imprensa e do universo corporativo, faz parecer que estamos diante de um modismo. Como sabemos, porém, não existe sinonímia perfeita. Os termos carregam traços semânticos que lhes são próprios, seja no sentido denotativo, seja no plano figurado da linguagem. É por isso que tanto mais adequada será a escolha vocabular quanto mais considerar as nuances e sutilezas de significado de cada palavra.
Na antiga parlenda que as crianças entoavam, “a galinha do vizinho” botava “ovo amarelinho” e tudo estava em seu lugar. Hoje, vemos isto: “ Uma galinha colocou um ovo gigante com duas gemas”. Não se trata de caso isolado; já há ocorrências desse tipo. Há que distinguir, porém, a postura de ovos galinha põe ou bota ovos) do ato de guardar os ovos (colocar os ovos na geladeira).
Expressões que contêm partes do corpo humano geralmente se constroem com os verbos “pôr” ou “meter”: pôs o dedo na ferida, meteu o nariz onde não devia, meteu os pés pelas mãos, meteu ou pôs a mão na massa ou pôs a mão no bolso (para procurar algo), pôs a boca no trombone, pôs a boca no mundo, pôs a mão na consciência. Não será difícil, porém, que se encontrem todas essas expressões construídas com o verbo colocar.
Provável fruto da suposta elegância de que se revestiu o termo, muitas palavras da língua, além de “pôr”, “meter” ou “botar” , têm cedido a ele o seu lugar. Vejamos alguns casos: “Nero colocou fogo em Roma” ( ateou), “Ele colocou a frase em espanhol” (traduziu para). Há até mesmo quem use “colocar” no lugar de “dizer” ou “afirmar” (“Gostaria de colocar que não concordo com essa ideia”). Tal emprego, é bom que se diga, é condenado pela gramática tradicional.
Aqueles que pretendem aprimorar o texto escrito devem ficar atentos à escolha das palavras e ampliar o vocabulário, extraindo de cada termo toda a sua potencialidade de significação.
Aqueles que pretendem aprimorar o texto escrito devem ficar atentos à escolha das palavras e ampliar o vocabulário, extraindo de cada termo toda a sua potencialidade de significação. (CAMARGO/2011).
*Formada em Letras/ com habilitação em Língua Espanhola e Literaturas pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/UFMS; Especialista em Metodologia Científica; Mestra em Educação com ênfase em Linguística Espanhola pela Universidad Autónoma de Asunción/UAA e Doutora em Linguística e Semiótica pela Universidade de São Paulo/ Usp. Trabalhou na UFMS/ Campus de Aquidauana-MS como professora de Língua Espanhola e Literatura ; Foi Técnica Pedagógica na Secretaria Estadual de Educação do MS e Assessora Linguística da Unesco. Por dois anos foi professora de Língua Portuguesa na Casa do Brasil no México.