Saudade de Palavras – Nosso Idioma
Há um ano cheguei a terras norte-americanas, trazendo na mala muita pergunta boba: será que vamos nos adaptar? Será que as crianças vão conseguir se ajeitar na escola, fazer amigos, se comunicar… será que vou aguentar ficar aqui, tão longe? Pois bem, muita coisa pra fazer na vida nova, muitos lugares pra aprender a ir e vir, encontrar o norte e o sul, o leste e o“West”, tanta novidade que fez o ano voar absurdamente, enquanto o ouvido ia se acostumando aos novos sons.
Pois como um presente, tive a oportunidade de reencontrar-me com a língua portuguesa em Nova York. Um ano após “deixá-la”. Ouvir “estranhamente” os sons das conversas de brasileiro pelos corredores fez certa cócega no cérebro, que procurava no ambiente alguma conexão com o que ouvia, mas sentia tão complexa a ligação, tão sem sentido, que acabava por atribuir à big apple tal bizarrice: no meio de um restaurante no Harlem, receita com leite condensado e creme de leite.
Não no cardápio, na conversa da mesa ao lado! Delícia! Não a receita, mas “ouvir” a receita! E as apresentações dos colegas no congresso… conseguir entender 100% do que se diz… não tem preço! Às vezes tinha dúvidas se estava mesmo compreendendo, ou se era alguma trapaça dos meus neurônios… no dia seguinte dei “bom dia” na recepção do hotel, e demorei dois segundos pra perceber o motivo do olhar indagador da recepcionista, como a perguntar-se se eu falava do café, se pra cobrar, se pra por na conta…(ah, esses turistas!) Nem quero imaginar o que deve ter pensado a moça ao ouvir o meu bom dia “esquisito”, ao menos pra ela…
Sempre soube que temos saudade de pessoas, lugares e momentos. Já experimentei a tal muitas e muitas vezes. De um cheiro que lembra a infância, do gosto de certa fruta ou bolo especial, disto também se sente falta, mas confesso que jamais havia sentido saudade das palavras. Sim, meus amigos, das palavras. Mas não das escritas, que a gente pode ver na internet todo dia nos jornais, mas das palavras faladas, com tons e cores que só os falantes dão. Das palavras vivas, ouvidas, daquelas que permitem que identifiquemos a alma daquele que fala: se triste, alegre, reflexivo, cansado, tímido ou seguro.
Daquelas que denunciam a gente, de onde somos, dos erres e esses colocados, dos cacoetes e reticências, das interjeições que brincam com o estilo, que balançam a cabeça dos ouvintes. Das palavras que revelam muito mais do que planejamos. Sim, as palavras ditas, pronunciadas, trocadas e acariciadas com aplauso, riso ou desabafo. A saudade dessas palavras, esta semana, foi o que me deixou sem fala, e com este texto na ponta dos dedos, pontuando meu primeiro ano fora do Brasil. Hoje posso dizer que senti, pela primeira vez, saudade de palavras.
*Fabiana Vanessa Gonzalis é doutora em Letras pela UNESP, com 20 anos de atuação em ensino de línguas estrangeiras no Brasil. Desde 2009 é professora adjunta do Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia, coordenando projetos de ensino, pesquisa e extensão na área de formação de professores de Espanhol/LE. Atualmente reside na região de Albany- NY, onde aprofunda seus conhecimentos de Inglês e cultura norte-americana.